EXPRESSÕES DO AMOR
30/05/2010 17:53EXPRESSÕES DO AMOR
Helci Rodrigues Pereira
“O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura seus próprios interesses, não se exaspera, não se ressente do mal”. São Paulo
O amor tem uma profunda força criadora. Comprovadamente, o amor, somente o amor, pode extrair do ser humano o máximo de seu potencial criador. É o que cientificamente se trata por elação, ou elevação, que compreende um entusiasmo incontido aliado a uma satisfação profunda que se torna incoercível, expandindo-se no "élan" energético, seja, criador.
A psicanálise freudiana levantou a idéia da possível confluência da raiz genital com a raiz energética do amor, na medida em que a primeira produz filhos carnais e a segunda gera obras de valor não material. Então o afã de saber, gozar e criar seria uma manifestação das energias sexuais e érgicas em transmutação por um processo de conversão ascendente ou sublimação.
Todavia, outros estudiosos, sem negarem completamente a abordagem psicanalítica, crêem que "a criação pode ser engendrada por energias vitais assexuais que se liberam nos chamados estados de exaltação, inspiração e cordialidade entusiástica em relação à obra em si, com bastante indiferença quanto ao grau de necessidade de descarga libidinosa".
Como comprovação da assertiva, aponta-se a história das grandes obras dos pensadores, que demonstra que os ciclos de suas criações não têm mantido relação de dependência dos ciclos de suas satisfações genitais ou genesíacas.
Estudos e pesquisas da temática do amor terminaram por nos informar várias espécies, tipos ou modos de ser do amor, que podem ser devidamente caracterizados. Vejamos alguns exemplos.
Amor autista - Autismo pode ser entendido como uma atitude mental caracterizada por interiorização intensa, por um "fechamento sobre si mesmo" (Bleuler); ou "pensamento resultante e dominado por tendências subjetivas e que não é alterado no essencial por fatores objetivos" (Lannoy Dorin).
O amor autista é próprio da criança recém-nasciada que nada ama praticamente, sendo que todo o seu interesse pela mãe, suas preferências, suas ações tendem sempre à satisfação de suas necessidades, esforçando-se, por isso, para manter, sempre que possível, a proximidade da mãe, porém sem qualquer compreensão da mesma ou qualquer consideração por ela.
Por certo que há muitas pessoas que não se desenvolveram normalmente, não foram muito felizes nas "crises" do crescimento rumo à maturidade e, na vida adulta, demonstram um amor com caracterização autística.
Amor regido por impulsos - A pessoa regida por impulsos manifesta amor intenso por outros; amor que se caracteriza por veemente interesse por pessoas, com preferências marcadas entre elas, com tendência impulsiva de estar perto das preferidas.
O amor regido por impulsos é aquele através do qual o que ama sente-se dependente da pessoa amada e necessitando dela, sem, porém, qualquer sentimento de responsabilidade pela mesma ou qualquer compreensão dos seus direitos/sentimentos; o impulsivo é aquele que espera que os outros esperem por ele e que vai aos outros, objetos do seu amor, para receber ajuda, conselho, apoio moral, etc., sofrendo bastante quando não atendido.Daí porque, em geral, as pessoas por esse tipo de amor caracterizadas, são queixosas, exigentes, extremamente gregárias e doentes pelas atenções daqueles a quem dirigem sua afeição.
Amor de conveniência é aquele cujo interesse ou preferência por outros decorre da avaliação que seu portador faça do que os outros possam fazer por ele ou que possam conseguir que o façam por si. Age de forma precisa e diferenciada em relação aos outros, tendo sempre como escopo a manipulação deles em seu favor, sem ter muito em conta, ou de forma alguma, o respeito aos outros, ou a responsabilidade pelo que lhe acontece. É o "amigo" que usará de qualquer expediente para conseguir seus objetivos, desde que sinta que o ajudarão, se possível, de imediato.
Amor resignado ou conformista caracteriza o amante que sabe usar as regras das relações interpessoais e as usa em referência a si e aos outros, muitas vezes com vantagem imediata, sempre preocupados mais com os aspectos externos do comportamento do que com os internos, seja, cuidando apreensivamente do status, da aparência física, do prestígio. Enquanto tenta, esforça-se por satisfazer exigências sociais superficiais resignadamente (quando intimamente lhe desagradam), tudo no desmedido afã de colimar seus objetivos, sentindo-se envergonhado quando não consegue cumprir suas exigências. As pessoas que desenvolveram esse tipo de amor, freqüentemente, bem se relacionam com os que comungam com suas opiniões ou crenças a respeito de como as pessoas devem "parecer" e "se comportar", mas, em relação aos que se afastam de sua visão das coisas e têm uma percepção diferente, são simplesmente críticas, antagonistas.
Amor consciente é outro tipo de manifestação afetiva. No desempenho dos seus papéis, no exercício dos seus relacionamentos, aquele que tem amor consciente obedece suas próprias normas, sabendo que assim deve fazer e sentindo-se culpado aos desrespeitar tais regras: o movido pelo amor consciente está sumamente interessado em seus próprios motivos, em suas "razões" ou nos motivos dos seus próprios comportamentos. Daí ser ele, em geral, um tanto preconceituoso, discriminador, hostil, intolerante e moralista. Uma característica distintiva do energizado pelo amor consciente é a responsabilidade pelo que sente e faz, mesmo em situações sociais em que outros não sentiriam obrigação. É comum o consciente experimentar conflitos gerados pelo choque de deveres e compromissos.
Amor auto-realizado é próprio de pessoas mais amadurecidas, escoladas. É o amor que se caracteriza pela auto-compreensão, pelo reconhecimento da individualidade dos conflitos, pela percepção de suas próprias fraquezas ou falácias e pela aceitação de sua finitude e contingência, ante a consciência da fatal interdependência das criaturas no jogo das relações interpessoais e sociais, de modo geral. Ao tempo em que o auto-realizado tem poucas condições de controlar os outros e, até certo ponto, os acontecimentos, ele não pára de crescer na consideração e compreensão deles, bem como no respeito à sua individualidade, progredindo da tolerância das diferenças para um amor em referência a elas.
Em conclusão, o que determina o êxito do relacionamento entre as pessoas é a espécie de amor manifesta no desempenho de seus papéis, na busca da satisfação de suas necessidades integrativas, produtivas e morais. Os dois pontos centrais em torno dos quais se processa a relação do amor, de aproximação, de aflição, de vivência são consideração e responsabilidade, entendendo-se por consideração a compreensão e o respeito pelos direitos e sentimentos do outro, e por responsabilidade a capacidade de sentir e agir como se estivesse comprometido com alguém ou com uma situação, a ponto de prestar contas pelo que acontece. Nos relacionamentos entre pessoas, o maior ou menor sucesso, êxito no desempenho de papéis, depende da espécie de amor demonstrado, o que equivale a dizer que, quanto mais considerador e responsável o comportamento, mais integrativo, mais produtivo e interessante será o relacionamento, em qualquer que seja o ambiente ou área da vida de relações humanas.
Helci Rodrigues Pereira é Pastor, Advogado, Professor,Escritor e também autor dos livros "Pastorais", "O Ser Humano - Reflexões" e "Expressões do Recôndito".
———
Voltar