FOMAÇÃO DO MARGINAL

30/05/2010 18:00

FOMAÇÃO DO MARGINAL
 
Helci Rodrigues Pereira

Eu não vou ficar aqui, onde apenas me obrigam a dormir. Que onda é essa? Há dez dias que não sei o que é mulher; não sei o que é cinema; não sei o que é nada. Eu não vou ficar nesse negócio não. Eu saio no peito!”.
Fernando (delinqüente)

Afirmam alguns estudiosos que a percentagem de delinqüência é maior nos grupos sócio-econômicos inferiores. Já temos argumentado neste sentido. Agora, não devemos descurar do fato de que os que praticam atos deliqüenciais, entre pessoas de nível sócio-econômico superior, têm menos probabilidade de serem indiciados do que os de classe baixa. Isso põe em dúvida o dado estatístico supramencionado.

Obviamente, os que vivem numa comunidade de alto índice de delinqüência enfrentam situação também diferente daqueles que experimentam um ambiente de baixo índice, estando os primeiros, logicamente, mais sujeitos às influências dos companheiros delinqüentes, sem contar, inclusive, com o apoio dos pais ou das comunidades, quando erram.

Tendo tratado da família e da sociedade como cadinhos em que se forja a delinqüência, atentemos, agora, para o resumo de uma história de vida, como exemplo da formação de marginais, e pensemos nas atitudes da sociedade para com os mesmos.

Fernando, 19 anos. Preso por suspeita de furto de automóvel. Lar desajustado: mãe em ação de separação por descobrir uma amante do consorte.

Fernando vivia com a mãe que, por seu comportamento insuportável, mandou-o morar com o pai. As queixas contra Fernando, em casa: inobservância de horários domésticos, vagabundagem, rebeldia generalizada e fugas da escola.

Fernando se queixava da mãe: “Minha mãe é muito ranzinza e violenta!” O pai de Fernando tentava satisfazer a todos os seus desejos, e seus avós não permitiam que fosse castigado.

Escolaridade de Fernando: cursos primário e colegial em ótimo colégio, em regime de internado; péssimo aluno em aproveitamento; pouco estudo, muita indisciplina; seus companheiros, os piores do internato.

Fernando se empregou na fábrica onde seu pai era Diretor. Passou a morar só, numa pensão. Precisou de um terno e o pai lhe negou por “estar apertado”. Dias após, Fernando defronta-se com a amante do pai, a qual ostentava rico vestido que lhe fora presenteado pelo amante, pai de Fernando. Fernando pensou: “Vejam só a pilantragem do velho!”. Em represália, e como reação simbólica, Fernando rouba dinheiro da fábrica do pai, gastando-o perdulariamente com os companheiros de farras.

Fernando no Exército: mau comportamento persistente. Como motorista do Quartel fazia as piores diabruras. Chamado à responsabilidade, agrediu o comandante e foi para a prisão celular.

Vida social de Fernando: freqüentador assíduo de “boites” e “inferninhos” da Zona Sul, ainda menor, comprando o porteiro com propinas.

Fernando na gangue: fez parte de uma gangue de pessoas entre 17 e 21 anos que viviam, alguns, de mesadas dos pais, e outros, de trabalhos esporádicos. Alguns estudavam. Após suas reuniões, altas horas da noite ou pelas madrugadas, voltava, fazendo toda sorte de misérias como, por exemplo, estupros e pequenos assaltos. Nas orgias do grupo não faltavam cocaína e maconha.

Fernando, internado na Clínica de Doenças Nervosas: em visita do genitor, assim se expressou: “Eu não vou ficar aqui, onde apenas me obrigam a dormir. Que onda é essa? Há dez dias que não sei o que é mulher; não sei o que é cinema; não sei o que é nada. Eu não vou ficar nesse negócio não. Eu saio no peito!”.

Referindo-se à sua prisão, Fernando chegou a declarar: “minha família ficou muito sentida comigo, mas agora está a meu favor”.

Ele já tinha boas promessas para quando deixasse a prisão: seu tio lhe arrumaria um emprego público e seu pai lhe daria um carro novo.

Vida sexual de Fernando: todas as anormalidades comuns aos que se instruem nas calçadas e nos bordéis. Com quatorze (14) anos, teve a primeira relação sexual com o sexo oposto. Com dezenove (19), já tinha experimentado todo tipo de perversão.

Com todas estas experiências, Fernando, com 19 anos de idade, é franzino e aparenta, no máximo, 17. A respeito de suas aventuras sexuais, afirmou ele próprio: “meus pais achavam-nas perfeitamente normais porque o homem deve ser livre”.

Cabe, aqui, uma pergunta: Quem fez de Fernando um marginal, um delinqüente?

Relativamente à sociedade que o “produziu”, perguntamos: que atitudes ela tem assumido para com aquele que veio a cair nas malhas da delinqüência?

Temos observado dois tipos de atitudes sobressalentes da família/sociedade:

ATITUDE CRÍTICO-PUNITIVA – A sociedade olha para o delinqüente com revolta e isso é, até certo ponto, compreensível face aos malefícios causados por ele. A sociedade sente-se prejudicada/ultrajada/violada nos seus direitos quando alguém rouba/fere/mata ou causa transtornos aos seus membros. A tendência mais comum, pois, é no sentido de atacar o delinqüente, sem muita preocupação com a delinqüência; é no sentido de criticar e punir, e até vingar-se, sem preocupar-se com a prevenção e conseqüente reforma/salvação do bandido-vítima.

ATITUDE DE EXPLORAÇÃO - O grande problema da delinqüência é usualmente agravado pela atitude irresponsável de membros da sociedade – “dos mais respeitáveis” -, que, ao invés de se preocuparem com o problema e contribuírem para anulação de suas causas, agem de forma a reforçá-las, desde que se aproveitem da delinqüência, usando os jovens para fins menos dignos como a prostituição, o tráfico de drogas e quejandas.

W.B. Miller, referido por Jersild, em sua Psicologia da Adolescência, fala da exploração dos jovens delinqüentes como “bodes expiatórios”. Diz ele que “o delinqüente serve atualmente para extravasar uma grande parte das inevitáveis tendências agressivas que existem em qualquer sociedade complexa como a nossa” (referia-se à América do Norte). E diz, ainda, que antigamente grupos étnicos e raciais serviam de bode expiatório, e ainda servem, mas hoje esses “alvos tradicionais e estabelecidos da hostilidade perderam a sua utilidade” e, então, os delinqüentes assumiram aquela posição, já que “podem realmente ser odiados de um modo compensador”.



Helci Rodrigues Pereira é Pastor, Advogado, Professor,Escritor e também autor dos livros "Pastorais", "O Ser Humano - Reflexões" e "Expressões do Recôndito".

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