FOME E FARTURA

FOME E FARTURA
 Helci Rodrigues Pereira

Em nossas reflexões sobre a natureza econômica do ser humano, sobre a economização e sobre Jesuz e a economia, verificamos que, da análise da primeira multiplicação dos pães, registrada nos Evangelhos sinóticos, fluem alguns ensinamentos sobre o problema econômico-social da fome, questão que nos preocupa a todos nós.

Observamos como Jesus demonstrou, naquele episódio, que a erradicação do flagelo da fome jamais poderia ser tarefa a ser resolvida por pessoas isoladamente, por esforços individuais e por iniciativas particulares de qualquer jaez. Também não seria empreitada que qualquer pessoa ou grupo devesse arrogar para si por uma ação puramente assistencial e paternalista, dando peixe ao faminto, sem, contudo, ensinar-lhe a pescar.

Então, Jesus, na oportunidade do evento aqui em trato, sabiamente, veio a ensinar que um princípio fundamental na luta contra a fome seria a organização, a boa estruturação da sociedade a fim de que viesse a mesma a ter condições de efetivamente debelar tão grande mal.

Interessante é de se ressaltar que Jesus ao perquirir a seus discípulos sobre o que eles tinham de provisão alimentar, obtendo deles a resposta de que contavam apenas com dois pães e cinco peixes conseguidos do alforje de um da multidão, e ao ordenar-lhes a que distribuíssem o que tinham com povo, estava assinalando um princípio importante de convivência social e econômica: o da solidariedade e participação na solução dos problemas.

O Mestre lhes disse para darem o que tinham, por mais insignificante que fosse. Somente após, realizou a multiplicação do que tinham. O princípio era o de que, na busca de soluções para os problemas sociais, como o da fome, todos devem estar dispostos a fazer a sua parte, a dar a fim de receber, a se sacrificar a fim de obter sucesso. Era a lei da “colheita segundo a semeadura”. O princípio da solidariedade, da ajuda mútua, da união, da participação de todos no esforço de solução dos problemas sociais de toda ordem, inclusive o da fome.

Tanto é assim que, aplicados tais princípios, veio o milagre: o pouco que tinham foi multiplicado e a fome do povo foi saciada. E não só isso. Aconteceu o mais inesperado: dos dois minguados pães e cinco pequenos peixes, depois de alimentada fartamente a enorme multidão, sobraram doze cestos cheios, que foram recolhidos e guardados. Maravilhoso superávit!

Fantástico! Tratado o problema da fome como deveria sê-lo, foi admirável e espantosa a multiplicação. Todos se fartaram e ainda sobrou alimento.

Os doze cestos de comida, que sobraram, foram recolhidos e guardados, sugerem a lição do não desperdício, princípio elementar de economia doméstica que pode e deve ser aplicado, também, à economia maior.

Certamente, o gasto desnecessário e supérfluo de dinheiro ou de valores de qualquer natureza é uma das causas de tanta miséria em nosso mundo em que milhões morrem de fome e de desnutrição, pois aquilo que se esbanja poderia ser aproveitado em favor dos mais carentes.

Cestos de alimento foram recolhidos e guardados para reaproveitamento, sugerindo-nos que o desperdício é demonstração de falta do espírito de fraternidade e solidariedade que todos deveríamos nutrir em relação à comunidade em que vivemos.

Seja qual for o desperdício, o esbanjamento, com ele se está a contribuir para o assoberbamento dos problemas que o mundo sofre e, sobretudo, para o agravamento das dificuldades da luta pela vida.


Helci Rodrigues Pereira é Pastor, Advogado, Professor,Escritor e também autor dos livros "Pastorais", "O Ser Humano - Reflexões" e "Expressões do Recôndito".

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