PLANEJAMENTO FAMILIAR

PLANEJAMENTO FAMILIAR
Helci Rodrigues Pereira

Vez por outra, acha-se em cheque o PLANEJAMENTO FAMILIAR como um dos meios de combate à explosão demográfica, melhor, o único meio eficaz de neutralização dos níveis e assimetrias da explosão populacional –  problema dos mais sérios/graves por que tem passado o mundo moderno, sobretudo nas áreas economicamente subdesenvolvidas.

Obviamente, é este um problema de conotações as mais diversas e amplas, mas, sobretudo, aquelas de natureza econômica, clínico-médica e jurídica, com suas tangentes sócio-culturais-psicológicas.

Incluindo, assim, tantos aspectos e nuances, esta temática não poderia se furtar aos aspectos religiosos, com as implicações morais, éticas e espirituais da questão, quando se discute se o exercício do planejamento familiar está ou não em adequação, em congruência, em conformidade com os preceitos da fé e da moral cristãs.

Noutros termos, a perquirição, no âmbito da fé cristã, é se tal procedimento fere ou não a Vontade divina.

O posicionamento dentro desta problemática só pode ser buscado e fulcrado numa filosofia cristã e bíblica da família, ou seja, o problema de planejamento familiar e sua adequação aos princípios cristãos só podem ser vislumbrados, entendidos e solucionados dentro de um contexto geral da concepção cristã da instituição familiar e seus propósitos.

No Pentateuco, em Gênesis, no capítulo 2, verso 18, lemos estas palavras de beleza incomparável:

“E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só! Far-lhe-ei uma ajudadora que lhe seja idônea”.

Eis aí a primeira abordagem da razão de ser de uma família: “não é bom que o homem esteja só!”

Um dos propósitos fundamentais da família é, portanto, a quebra do isolamento na vida humana. Seu escopo não foi, desde o começo, o de produzir, de proliferar em grande quantidade, no sentido de ser essa a preocupação primordial de Deus ao instituir o casamento. A geração é um grande propósito, mas não necessariamente o primeiro, o principal. O fundamental na economia divina para o ser humano era o sentir-se bem, o realizar-se num relacionamento interpessoal agradável em todos os aspectos do seu existir.

O homem, desde a sua origem, foi um ser impactado pela solidão. Talvez tenha sido, até hoje, o ser mais solitário na face da terra. Tal experiência é tão comum que ele pode sentir-se só, mesmo que cercado de imensas multidões. Mas, qualquer que seja a causa de sua solidão, “não é bom que o homem esteja só”.

É que o ser humano não foi criado para a isolação, mas para a comunhão. É na família devidamente constituída que o isolamento humano desaparece e a comunhão torna-se possível.

Quando dois seres se unem, no matrimônio, o estado de isolamento de ambos se transmuda em parceria. Por isso, dizia Jesus: “Deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e serão ambos uma só carne”.

Há, nesse particular, uma similaridade entre a criação do homem e a instituição da família. Deus havia criado o mundo, porém não havia nele um ser capaz de compreendê-lo e com ele manter uma certa comunhão, além do próprio Criador. Então, o Senhor Deus criou o homem à sua imagem e à sua semelhança, conferindo-lhe capacidade de relacionar-se. Junto ao homem havia muitos seres, porém era necessário existir alguém que fosse carne de sua carne e ossos dos seus ossos, quer dizer, de sua natureza, alguém que com ele pudesse se relacionar significativamente, conscientemente, prazerosamente.

Martin Buber, disse: “No princípio era a relação”. Podemos dizer, de igual modo asseverar que, no princípio Deus estabeleceu o matrimônio, criou a família como o ponto de relação mais próximo e mais profundo entre os seres humanos, e como base da comunhão de espírito, de primordial importância para a realização da pessoa humana.

Tal foi o propósito precípuo da família – a comunhão de amor e a quebra do insulamento tedioso e doloroso do ser humano. A ele dê-se ênfase, e não ao número maior ou menor dos seus membros, que é um aspecto secundário.   

Em segundo lugar, sim, em segundo lugar, vem a geração e a formação de homens e mulheres que constituam uma bênção para a própria família, para a pátria e para a humanidade. Então, a família é o ambiente adequado para a geração – não a geração em grande escala -  e para a formação da personalidade daqueles que em seu seio são entretecidos. Assim, o lar deve produzir tantos filhos quantos possa formar personalmente, educar e preparar convenientemente para a vida.

O lar, devidamente constituído, deve proporcionar a atmosfera propícia à formação de caracteres sadios, de personalidades criativas.

Ao pensar-se em “geração”, em número de filhos, deve-se ponderar no fato de que o lar vai ser o cadinho onde forjar-se-ão personalidades, refletindo-se nas conseqüências desse mesmo fato.

É na família, como unidade básica da interação humana, que se robustece o caráter de cada indivíduo; que se aprende o que há de mais essencial para a vida de todo o ser humano -  a maneira como qualquer indivíduo se relaciona com o resto do mundo; que se formam as atitudes basilares para com a vida e para com o mundo ao nosso redor: confiança/desconfiança, otimismo/pessimismo, extroversão/introversão, etc.; que nos informamos com relação ao nosso posicionamento a respeito de Deus, do próximo, e ao que nos concerne; que nos inteiramos sobre a reverência pela vida, a compreensão da sagracidade do nosso semelhante, a honestidade, o amor a Deus sobre todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos.

O problema, portanto, não é de criar tantos ou quantos filhos, mas a responsabilidade de saber se é justo o nosso intento e se nós temos, como família, condições de cumprir os nossos objetivos cristãos. Daí, a paternidade/maternidade responsável.

O planejamento familiar consciente e equilibrado visa atender não somente a uma conjuntura sócio-econômica nacional e doméstica, mas, igualmente, a uma série de problemas de natureza moral, ética e espiritual.

Finalmente, a família tem um propósito específico alcandorado que é a preservação dos mais sagrados valores da sociedade humana.

Através de longos anos de experiência histórica, a humanidade aprende certas formas de funcionamento adequado e eficiente. Tais formas de comportamento são institucionalizadas e passam a constituir o patrimônio cultural de dado agrupamento humano. A família, como célula mater, como matriz da sociedade, encarrega-se da preservação dos mais nobres valores dessa cultura, ao mesmo tempo seguindo o escopo de inspirar seus membros a enriquecer esse patrimônio com a mais elevadas aspirações.

Indubitavelmente, a família tem sido criticada sob vários ângulos, mormente por aqueles que têm tendências anárquicas, mas um exame criterioso e, tanto quanto possível, imparcial da realidade social do mundo moderno, revela que, sem a instituição familiar, a sociedade humana teria sucumbido, transformada em caos.

Não nos arredamos da firme convicção de que a família é, ainda, a maior força na preservação dos melhores valores éticos, morais e espirituais da humanidade.

Cremos, pois, dentro da concepção cristã do lar/da família, que os propósitos da organização familiar são:

A quebra do isolamento humano, pelo estabelecimento de um tipo de relação tão profundo, que não propicie, apenas, a união de corpos e proliferação carnal, a geração, mas, sobretudo, a união de espíritos e mentes.

A geração e formação de novos seres de forma inteligente e responsável, que, por sua constituição e educação, tornem-se personalidades sadias e capazes de contribuir para o bem-estar da constelação familiar, tanto quanto da família humana.

A preservação dos autênticos valores da existência, contribuindo, positivamente, para o enriquecimento deste mesmo patrimônio.

Exsurge, destarte, que a posição do cristão, frente ao planejamento familiar, há de ser o produto de uma concepção correta da família e de seus objetivos, e de uma filosofia verdadeiramente cristã da organização familiar.          
Helci Rodrigues Pereira é Pastor, Advogado, Professor,Escritor e também autor dos livros "Pastorais", "O Ser Humano - Reflexões"  e "Expressões do Recôndito".

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