AMOR E SEXO

AMOR E SEXO
Helci Rodrigues Pereira


Em matéria publicada na Tribuna de Alagoas,  onde tratamos da amizade extraordinária entre Davi e Jônatas, objetivamos manifestar o nosso entendimento de que uma amizade profunda, um amor verdadeiro pode existir entre pessoas do mesmo sexo sem, porém, qualquer conotação de natureza erótica, como sói acontecer na vida de muitas pessoas.

Queremos insistir no assunto. Tendo morrido tragicamente seu velho amigo Jônatas, Davi, carpindo a dor de uma perda irreparável, veio a exclamar: “Meu irmão Jônatas, quão querido me eras! Maravilhoso me era o teu amor, mais maravilhoso do que o amor das mulheres.”

Algumas pessoas vêem nessa declaração de amor sincero um traço de homossexualidade, como se a única manifestação de amor verdadeiro entre os seres humanos fosse a de caráter erótico, sensual, lúbrico, lascivo, quando, em verdade, o amor não tem sexo.

O amor é um sentimento de relação que vai muito além da simples ligação erótica. É uma relação muito mais profunda, uma verdadeira “ligação espiritual” que não conhece fronteiras e que, por isso mesmo, pode muito bem existir, e efetivamente tem existido, entre seres do mesmo sexo, sem qualquer relação com o exercício da atividade sexual.

O amor que devemos nutrir entre as pessoas, independentemente de sua categoria sexual, deve ser encarado não simples, direta e exclusivamente em sua relação genésica, fecundante ou mesmo erótica, mas, sim, em termos de energia da personalidade, estímulo para aproximação entre os seres humanos, para o relacionamento positivo que propicia o desempenho de papel na sociedade.

No Antigo Testamento, o verbo amar (aheb), usado por Davi ao referir-se ao seu grande amor por Jônatas, é constantemente usado para descrever o amor entre os seres humanos. Demos alguns exemplos.

Do  pai pelo filho, exemplificado por Abraão e Isaque, quando disse Deus a Abraão: “Toma o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem ‘amas’ e vai ...”(Gênesis 22.2) e por Israel e José: “Israel ‘amava’ a José mais do que a todos os seus outros filhos (Gênesis 37.3)

De um escravo, que poderia “amar” o seu senhor e desejar pertencer a ele por toda a sua vida: “ ... Se o escravo expressamente disser : eu amo a meu senhor, e a minha mulher, e a meus filhos, e não quero sair forro ... então ele ficará e servirá ao seu senhor para sempre” (Êxodo 21.4-6). Outros exemplos poderiam ser dados.

Evidentemente, em casos como tais, não seria razoável, não seria lógico imaginar-se relação sexual.

O verbo usado por Davi para dizer do seu profundo amor pelo amigo Jônatas, a quem chamava de “meu irmão”, é o mesmo usado no mandamento “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levíticos 19.18). “Amar” o estrangeiro é, também, tarefa do fiel (Deuteronômios 10.19). E ninguém, de boa mente, diria que o amor que devemos expressar para com o nosso próximo ou para com o estrangeiro teria, necessariamente, qualquer relação de natureza sexual.

O amor que Davi nutria por Jônatas nada tinha com sexo. Era  aquela “energia espiritual( ... )que integra a personalidade no plano existencial pela percepção e animação das relações humanas e seus valores, das forças psicofisiológicas que irmanam o “eu” ao “outro”, e das razões profundas e algo misteriosas que nos incorporam ao mundo como elemento criador de vida e de bem”.


Helci Rodrigues Pereira é Pastor, Advogado, Professor,Escritor e também autor dos livros "Pastorais", "O Ser Humano - Reflexões" e "Expressões do Recôndito".

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